Argélia: Abdelkader Bensalah “incarna a fraude eleitoral”, diz Idriss Rebouh

Responsável das relações africanas na organização Conselho Afro-Asiático, com sede em Istambul, Turquia, o médico Idriss Rebouh foi um dos dirigentes do partido argelino Frente para a Mudança e da sociedade pela paz activa na União dos Médicos Árabes, uma organização com sede no Cairo, Egipto, é também um elemento influente em várias organizações internacionais. Idriss Rebouh defende que todo o sistema argelino tem de mudar, e considera que o actual presidente Interino, Abdelkader Bensalah, tem de partir porque é um homem do sistema e “incarna a fraude eleitoral”.

 

e-Global: Cerca de dois meses depois do arranque da contestação popular na Argélia, qual é o balanço que faz do movimento de cidadãos designado Hirak?

Idriss Rebouh: Com estes acontecimentos o povo argelino tomou consciência que fortaleceu cada vez mais, com experiência e maturidade, a luta pela democracia. Diferentes sectores da sociedade conseguiram unir-se e conjugar esforços com o objectivo de provocar a queda do sistema e de todos aqueles que o incarnam. A situação hoje é diferente da dos anos 90, quando os militares decidiram travar o processo eleitoral e a consequente dissolução do parlamento abrindo as portas a uma grande crise, que a população conseguiu ultrapassar graças aos seus sacrifícios e humildade que sempre pautou. O povo conseguiu impor aos altos dignitários do país a sua visão, que se traduz fundamentalmente pela suspensão do quinto mandato e que foi seguida pela demissão do governo de Ahmed Ouyahia e do presidente Bouteflika, que acabaram por reconhecer que é no povo que reside a fonte do poder. Outro ponto também importante é relativo à mudança do tipo de discurso dos militares e do seu comando superior que insistiu na necessidade de ser respeitada a vontade popular, segundo o princípio de que a soberania nacional pertence exclusivamente ao povo. A classe castrense deu também sinais de reconciliação e abertura a concessões face à intransigência do movimento cidadão que exige ser dono do seu futuro. O Hirak conseguiu também impor uma agenda que obriga todas as formações políticas a cumprirem, quando os partidos da oposição são praticamente inexistentes. O movimento mantém o seu ritmo e permanece intransigente quanto à necessidade de instauração da democracia no país. No sucesso deste movimento, está também a adesão aos seus princípios de todas as camadas da sociedade, desde os médicos aos magistrados. Também, este movimento conseguiu projectar uma nova imagem da Argélia na cena internacional com o seu carácter pacífico, algo que a diplomacia não conseguiu ao longo de 30 anos.

e-G: Desde o início dos protestos o movimento exigia a partida de todo o sistema e dos homens que o representam. Porém, os representantes deste sistema querem regressar e ocupar funções de relevo. Qual é a sua análise?

IR: De facto, o Hirak exige a partida de todo o sistema que encarnou Bouteflika e que engloba o chefe do Governo, o presidente do Conselho da Nação, assim como o presidente do Conselho Constitucional, mas também os deputados que se aliaram a Bouteflika, indiferentes às aspirações de democracia do povo. No entanto esta lista tem de ser alargada e incluir empresários, jornalistas e intelectuais que apoiaram o presidente na sua conduta que levou o país à situação actual. Muitos destes homens ainda permanecem, tal como Abdelkader Bensalah que foi nomeado presidente Interino, mas também Mouaad Bouchareb colocado na presidência da Assembleia Popular Nacional. Além disso, o governo de Bedoui, que representa Bouteflika, ainda está em funções. Estamos assim perante um aparelho compostos por walis e uma administração legitimados pela fraude eleitoral desde as primeiras eleições no país. Por estes motivos, a partida deste sistema é mais que uma prioridade para o movimento cidadão.

e-G: A classe castrense decidiu ameaçar com a aplicação do artigo 102, considerando que o povo é a origem do poder e da soberania. Como interpreta esta postura?

IR: A instituição militar foi responsável, directamente e indirectamente, pela crise politica argelina, tendo sido a fachada do poder político durante 25 anos. Mas com a emergência de uma nova geração de militares, a sua posição mudou totalmente, e acredito que esta instituição não tem outra opção que respeitar a vontade do povo que constitui a fonte de qualquer poder. Também a conjuntura internacional não é favorável à utilização da força ou recurso ao Estado de Emergência, como meio para impor a estabilidade.

e-G: No seu primeiro discurso, Abdelkader Bensalah vincou que pretende respeitar a vontade popular, no entanto os manifestantes continuam a sair às ruas exigindo a partida de todo o sistema e dos seus homens. Qual é a saída para esta crise?

IR: Abdelkader Bensalah incarna a fraude eleitoral, sendo a pessoa que trabalhou e executou as ordens de todos os homens do poder, desde o presidente Bouteflika até à instituição militar. Ele trabalha para o poder desde 1994 sob as ordens do alto comité do Estado. Durante a presidência de Liamine Zeroual, ele jogou em todos os tabuleiros. Abdelkader Bensalah esteve no conselho nacional de transição, que substituiu a Assembleia Popular Nacional depois do golpe de Estado de 1992. Ele trabalhou durante todo este período para o poder, assim, hoje não pode beneficiar da confiança popular nem garantir uma transição transparente na escolha das personalidades que vão assumir as rédeas do país. Acredito que a contestação vai aumentar, até a população obter o que exige. Para pôr um fim a esta situação, será necessário que Abdelkader Bensalah e os homens que o rodeiam que saiam, e sejam substituídos por personalidades em que o povo confie.

e-G: Acredita que a instituição militar estará disposta a fazer concessões perante a vontade popular, pondo em causa os seus interesses e tendo em conta que o seu poder resultou sempre na implicação dos militares nas questões da vida política?

IR: Sobre esta instituição, acredito que está numa fase de maturação e os homens que a compõem têm tido uma percepção e leitura correcta da sociedade argelina e da sua juventude. Esta maturidade é o resultado da formação dos seus quadros em diferentes academias e escolas no país e no estrangeiro. Eu penso que vão responder positivamente aos pedidos da população argelina que irá permanecer mobilizada como condição sine qua non para conseguir que seja respeitada a sua exigência de partida do sistema e instauração da democracia. A História prova que não conseguimos ter conquistas democráticas sem esforço. Não acredito que algum militar ceda sem pressão. Assim, a pressão popular tem de permanecer para impor as suas escolhas e as suas orientações a este exercito que tem também de compreender as aspirações legitimas da base da qual são oriundos os seus elementos, o povo.

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